Seríamos mais felizes se ao invés de comer sementes às plantássemos. Afinal semente não é para comer e matar, semente é pra plantar, e em longo prazo se alimentar de seus frutos. Pensando assim, parece ser lógico, mas na realidade não é o que fazemos. Vivemos numa geração de comedores de sementes. Imaginemos um homem que passando fome e necessidade, sai a pedir ajuda e dentre algumas moedas e migalhas miseráveis, recebe de alguém um pacote considerável de sementes. Ao chegar em casa, olhou para as doações que receberá e indignado se pergunta por que alguém lhe daria um pacote de sementes, sendo que elas não matariam sua fome. Então pensando ser prático, passou a comer aquelas sementes todos os dias até elas acabarem e novamente aquele homem pôs-se a mendigar esmolas.
Aquele homem comeu as sementes que na verdade eram para ser plantadas, e com o passar do tempo dariam frutos para saciar sua fome. Além de frutos, ele poderia aproveitar também as folhas para fazer chá e remédio, as flores para atrair beija-flor e abelhas, enfim, até sombra ele teria, mas teria que plantar as sementes e não come-las.
Somos grandes comedores de sementes todas as vezes que gastamos sem pensar ao invés de investir. Buscamos resultados rápidos e não sabemos esperar, queremos tudo para “ontem” e quase nunca pensamos em coisas em longo prazo a não ser que sejam as “suaves” prestações que fazemos nas lojas e financeiras.
Existem investimentos valiosos como fazer uma faculdade, por exemplo, mas nem todos querem deixar de frequentar e gastar nas baladas para investir numa faculdade e colher mais tarde os frutos destes investimentos. É mais fácil se comprometer com um financiamento de trinta e seis vezes em uma moto e ganhar pra ganhar status, ao se comprometer com um investimento de três ou quatro anos pensando num futuro em longo prazo. Esse como outros exemplos são situações em que comemos deixamos de plantar para comer sementes.
Ser imediatista e não fazer planos investindo neles nos faz também ser egoístas. O filósofo alemão Nietzsche, em seu livro “Humano, Demasiado Humano” deu ao capítulo 22 de seu livro o nome de “descrença no monumentum aere perenius” (expressão latina, extraída de Odes, 3, 30, do poeta Horácio (65-8 a.C), que significa “monumento imperecível como de bronze.); E inicia este capítulo dizendo assim: “Um inconveniente essencial que traz consigo o desaparecimento das convicções metafísicas consiste em que o individuo restringe em muito sua consideração por sua curta existência e não recebe mais estímulos fortes para trabalhar em instituições duradouras, construídas para séculos; quer ele próprio colher os frutos da árvore que planta e, por isso, não planta mais essas arvores que exigem tratamento regular durante séculos e que se destinam a dar sombra a longas sequências de gerações.”
Nesta citação acima, Nietzsche refere-se ao relacionamento limitado que o homem tem com o eterno e com o sagrado. Pois uma vez que este tem uma existência curta, deixa de se comprometer com tudo o que é duradouro, como diz a popular frase “para não morrer na praia”. E realmente temos medo de nos comprometer com projetos no qual iremos “morrer na praia”. Assim nos tornamos egoístas, e só construímos “casas” que durão o tempo de nossa existência. E para ilustrar melhor essa questão, basta vermos a catastrófica realidade do aquecimento global, consequência da irresponsabilidade e falta de compromisso com o meio ambiente. E porque não dizer também com o próximo das gerações futuras? Afinal, eles serão as grandes vítimas das nossas atitudes desenfreadas e egoístas hoje.
Levando em consideração o texto de Nietzsche, podemos dizer que fazemos “descrença no monumentum aere perenius”, quando escovamos os dentes com a torneira aberta, pois a água seria o monumento imperecível e nós os descrentes de investir em economizar água porque não pensamos que em quarenta ou cinqüenta anos poderia faltar água, afinal, pouco importa, não estaremos lá para presenciar esta realidade. Mas da mesma forma agem as instituições que usam do desmatamento que é sem dúvida a maior contribuição brasileira para a emissão de gás carbônico, pensando apenas em seu patrimônio e deixando de pensar em tantos que sofrerão de problemas respiratórios não só hoje, mas sempre.
Não acreditar ou não se comprometer com a fé no sagrado, no eterno, numa instituição religiosa, ou ainda numa causa com resposta em longo prazo, tira-nos o sentido da vida. Pois Martin Luter King lutou pela paz e igualdade racial sem fazer guerra, plantando uma semente no qual ele mesmo não viu a árvore crescer, e muitas de nossa geração ainda espera colher estes frutos, porém o primeiro passo foi dado, pois Martin Luter King acreditou e plantou a semente, acreditou no monumento imperecível, assim como grandes heróis o fizeram. Afinal, se não fosse assim, o Êxodo não teria acontecido, pois Moisés libertou o povo de Deus mas não chegou a ver a Terra prometida, simplesmente acreditou no “monumento imperecível” mesmo que sua participação fosse plantar uma semente.
Talvez já esteja mais que na hora de termos coragem de sujar as nossas mãos de terra e cavarmos para preparar um terreno para as sementes que iremos plantar; É hora de acreditar em projetos duradouros e principalmente nas realidades eternas, pois se acreditássemos mais que existe o céu, mandaríamos nessa vida um material confortável para nossa morada na eternidade.
Deni Sales
0 comentários:
Postar um comentário